No espírito da Declaração de Nova Délhi, de 16 de dezembro de 1993, da qual o Brasil é signatário, a diversidade cultural deve determinar os conteúdos programáticos. Igualmente, está implícito no apelo ao desenvolvimento de novas metodologias, o reconhecimento de uma variedade de estilos de aprendizagem. Para D’Ambrosio (2004, p. 35), num país como o Brasil, com enorme diversidade ambiental e cultural, uma conseqüência direta desses objetivos maiores seria uma grande flexibilidade dos programas, tanto na seleção de conteúdos quanto na metodologia, e dos estilos de avaliação. Jamais, segundo ele, subordinar programas à lógica própria das disciplinas e avaliação a testes padronizados.
Nesse sentido, o autor trabalha (2001, p. 9) com o termo etnomatemática, como a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos. Não há, portanto, uma só Matemática; há muitas Matemáticas.
A utilização do cotidiano das compras para ensinar matemática revela práticas apreendidas fora do ambiente escolar, uma verdadeira etnomatemática do comércio. Um importante componente da etnomatemática é possibilitar uma visão crítica da realidade, utilizando instrumentos de natureza matemática. Análise comparativa de preços, de contas, de orçamento, proporcionam excelente material pedagógico, segundo D’Ambrosio (2001, p. 23-24).
“A utilização do cotidiano das compras para ensinar matemática revela práticas apreendidas fora do ambiente escolar, uma verdadeira etnomatemática do comércio. Um importante componente da etnomatemática é possibilitar uma visão crítica da realidade, utilizando instrumentos de natureza matemática. Análise comparativa de preços, de contas, de orçamento, proporcionam excelente material pedagógico. (...) Grupos de profissionais praticam sua própria etnomatemática. Assistindo a inúmeras cirurgias, Tod L. Shockey identificou, na sua tese de doutorado, práticas matemáticas de cirurgiões cardíacos, focalizando critérios para tomadas de decisão sobre tempo e risco e noções topológicas na manipulação de nós de sutura. Maria do Carmo Villa pesquisou as maneiras como vendedores de suco de frutas decidem, por um modelo probabilístico, a quantidade de suco de cada fruta que devem ter disponíveis na sua barraca para atender, satisfatoriamente, as demandas da freguesia. N. M. Acioly e Sergio R. Nobre identificaram a matemática praticada pelos bicheiros para praticar um esquema de apostas atrativo e compensador. (...) Marcelo de Carvalho Borba analisou a maneira como crianças da periferia se organizam para construir um campo de futebol, obedecendo, em escala, as dimensões oficiais.” (D’Ambrosio, 2001, p. 23-24)
Para o autor (2001, p. 44), o essencial da etnomatemática é incorporar a matemática do momento cultural, contextualizada, na educação matemática. O raciocínio qualitativo seria essencial para se chegar a uma nova organização da sociedade, pois permitiria exercer crítica e análise do mundo em que vivemos. Deveria, sem qualquer hesitação, ser incorporado nos sistemas educacionais.
D’Ambrosio (2001, p. 87) questiona por que insistir-se em Educação e Educação Matemática e no próprio fazer matemático, se não percebemos como nossa prática pode ajudar a atingir uma nova organização da sociedade, uma civilização planetária ancorada em respeito, solidariedade e cooperação. Atingir essa nova organização da sociedade é a utopia do autor. Como educador, procura orientar suas ações nessa direção, embora utópica.
Essa visão de diferentes matemáticas, para contemplar toda a diversidade cultural existente, precisa, sem dúvida, ser abordada na formação matemática dos professores para as séries iniciais.
“Estamos vivendo uma profunda transição, com maior intensidade que em qualquer outro período da história, na comunicação, nos modelos econômicos e sistemas de produção, e nos sistemas de governança e tomada de decisões. A educação nessa transição não pode focalizar a mera transmissão de conteúdos obsoletos, na sua maioria desinteressantes e inúteis, e inconseqüentes na construção de uma nova sociedade. O que podemos fazer para as nossas crianças é oferecer a elas os instrumentos comunicativos, analíticos e materiais para que elas possam viver, com capacidade de crítica, numa sociedade multicultural e impregnada de tecnologia. (...) A aquisição dinâmica da matemática integrada nos saberes e fazeres do futuro depende de oferecer aos alunos experiências enriquecedoras. Cabe ao professor do futuro idealizar, organizar e facilitar essas experiências. Mas, para isso, o professor deverá ser preparado com outra dinâmica. Como diz Beatriz D’Ambrosio, ‘o futuro professor de matemática deve aprender novas idéias matemáticas de forma alternativa’. (...) Está pelo menos equivocado o educador matemático que não percebe que há muito mais na sua missão de educador do que ensinar a fazer continhas ou a resolver equações e problemas absolutamente artificiais, mesmo que, muitas vezes, tenha a aparência de estar se referindo a fatos reais. A proposta pedagógica da etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo (agora) e no espaço (aqui). E, através da crítica, questionar o aqui e agora.” (D’Ambrosio, 2001, p. 46)
“... a geometria do povo, dos balões e das pipas, é colorida. A geometria teórica, desde sua origem grega, eliminou a cor. Muitos leitores a essa altura estarão confusos. Estarão dizendo: mas o que isso tem a ver? Pipas e balões? Cores? Tem tudo a ver, pois são justamente essas as primeiras e mais notáveis experiências geométricas. E a reaproximação de Arte e Geometria não pode ser alcançada sem a mediação da cor. Na Aritmética, o atributo, isto é, a qualidade do número na quantificação, é essencial. Duas laranjas e dois cavalos são ‘dois’ distintos. Chegar ao ‘dois’ abstrato, sem qualificativo, assim como chegar à Geometria sem cores, talvez seja o ponto crucial na passagem de uma matemática do concreto para uma matemática teórica. O cuidado com essa passagem e trabalhar adequadamente esse momento talvez sintetizem o objetivo mais importante dos programas de Matemática Elementar. Os demais são técnicas que pouco a pouco, conforme o jovem vai tendo outras experiências, vão se tornando interessantes e necessárias. O cuidado com a passagem do concreto ao abstrato é uma das características metodológicas da etnomatemática.” (D’Ambrosio, 2001, p. 78)
“etno + matema + tica, ou seja, tica = arte ou técnica; matema = explicar, compreender; etno = contexto cultural. (...) Mesmo em povos que ainda não desenvolveram a escrita, é interesse do pesquisador em etnomatemática, dentro de cada grupo cultural, estudar as estratégias utilizadas pelos povos para compreender e explicar sua realidade histórica e cultural, através de ferramentas tais como os números, as medidas, as formas, etc.” (Muniz, 2001, p. 21)
“A Etnomatemática procura partir da realidade e chegar à ação pedagógica de maneira natural, mediante um enfoque cognitivo com forte fundamentação cultural.” (Brasil, 1997, p. 21.
http://docs.google.com